“ ...a gente se
preocupa mais com a motocicleta do que com a viagem.” Marcelo Tas
Estou sempre escrevendo sobre a questão do suporte, que, na
verdade, trata-se de uma não-questão. Mas como escrevo sempre pensando no
contexto do Ceará e neste sentido encontro aqui certa antipatia em aceitar como
arte o que não é exclusivamente pintura e escultura, volto a abordar esse tema.
Também porque o nome (“Dezembro
Digital”), da exposição que me faz escrever agora, cita explicitamente o
suporte. Assim, assumo o risco de me repetir.
Todos nós sabemos que Duchamp (1887-1968) rompeu com
a ditadura do suporte a partir dos seus “ready mades”. O urinol é uma ironia
mordaz contra os que acreditavam (alguns acreditam ainda) que a arte só pode se
materializar com tinta sobre tela ou a partir de um bloco de mármore.
A infinidade de maneiras com quê a arte
contemporânea se coloca nos faz acreditar que “tudo é possível” e o que
impera é, finalmente, a criatividade e o conceito. A idéia, e eu, diria também,
a comunicação (uma idéia a ser desenvolvida em outro texto), intrínsecas à obra,
a partir da concepção de um artista ou de vários artistas (os coletivos), é o
que torna a obra relevante.
Lógico que em se tratando de mercado (quanto mais o de arte
– o gosto é um fator decisivo) sempre haverá preferências. E a pintura
acadêmica, por exemplo, terá seu público cativo independente da tendência do
mercado. Até mesmo se pensarmos na tela sob o aspecto de objeto, e objeto
histórico (além do artístico, é claro).
Na exposição “Dezembro
Digital”, Wilson Neto com muita
inteligência escolheu navegar entre duas margens: nem a liberdade total de
suporte da arte contemporânea, nem o dogmatismo da pintura em tela. Suas obras são
concebidas no computador, mas materializadas em tela (geralmente de grandes
proporções). O computador é seu instrumento tal qual o pincel para o pintor ou
uma câmera para o fotógrafo. Através do processamento de informações digitais, um
nome complicado para computador, cria sua linguagem singular.
O que talvez pareça uma opção fácil para um artista, é na
verdade: coragem e visão de futuro. Vislumbra-se uma inteligente noção sobre o
mercado de arte, sobretudo o local (Ceará). Aqui, parênteses para a marchand Mariana Furlani (Mariana Furlani Arte Contemporânea),
que aposta comercialmente com uma individual bem estruturada e importante, com
uma proposta nova e de um artista também relativamente novo.
O argumento de que a arte digital seria uma
forma fácil de produzir arte, além de conceitualmente não ter importância –
quem disse que dificuldade técnica é um pré-requisito para boa arte? – e
preconceituoso, sequer se aplicaria no caso de Wilson Neto. O artista em outras
oportunidades mostrou trabalhos de um requinte artesanal e dificuldade de
produção que remetem aos bordados
do Ceará e ao estilista Lino
Villaventura e à técnica do pontilhismo de Seurat (1859 – 1891).
É óbvio que, para ele, a técnica não é um problema a ser
vencido. Nem tão pouco produzir arte através de uma plataforma eletrônica não
requeira a sua própria técnica. Uso esse argumento, mas o fato é que para os
grandes artistas, mais importante do que conhecer e praticar uma técnica, é, a
partir dela ou não, criar a sua própria. Daí nascerá uma linguagem pessoal que
caracterizará o artista (não mais o técnico que sabe fazer “arte”).
Digo coragem e visão porque o mercado cearense ainda é um
pouco ortodoxo e mesmo algumas pinturas mais conceituais não são, muitas vezes,
aceitas ou são recebidas com uma resistência que não existe em outros lugares.
A exceção que confirma a regra é a maravilhosa obra de Antonio
Bandeira (1922 - 1967) que teve seu trabalho reconhecido ainda em
vida, mas não sem o apoio do, àquela época, recém inaugurado MAUC - Museu de
Arte da UFC, através do seu reitor Antônio Martins
Filho, nome importante e de respaldo na sociedade cearense.
“Dezembro
Digital” aposta num suporte que significa quase uma transição entre a
consagrada pintura e a liberdade total na arte
contemporânea. O que, além dos aspectos mercadológicos, tem seu significado
como ponte entre o que era e o que virá.
Wilson
sabe que o que importa é a consistência de sua obra como estética. Mas não nega
o valor que é materializar seu conceito em um suporte que atenda a
colecionadores e galerias. Neste aspecto, o fato de sua arte digital se
apresentar em tela, ser tangível (um objeto, portanto), denota que ele quer administrar
muito bem a tensão entre, a “Arte” e o “Mercado
de Arte”.
Ao mesmo tempo em que ele concebe objetos (telas), não abre
mão das infinitas possibilidades de criar que o computado oferece. O que o liga
à liberdade e autonomia que arte
contemporânea, de certa forma, defende.
Uma opção inteligente para um artista criativo e ousado, já
seguro da qualidade e consistência de sua obra e afinado com o tão necessário “Mercado
De Arte”.
Serviço:
“Dezembro Digital”
A partir de 07de dezembro de 2011
+ 55 85 3242 2024
Fortaleza – CE, dezembro de 2011.
Obra de Wilson Neto fonte: http://diariodonordeste.globo.com/ |
Convite para exposição Dezembro Digital de Wilson Neto |