Picasso (1881 - 1973) dizia que: “A Obra
escraviza o artista”. Queria o gênio dizer que para um artista a sua arte é a
coisa mais importante que há. Realizar sua obra é tão importante e necessário
que vira um vício, uma mania que foge ao seu controle.
Por isso muitas pessoas não entendem o sacrifício e a
conduta de alguém que está impregnado em fazer arte. Identificando-os, às
vezes, como loucos. Na verdade, nestes casos, está se fazendo arte para não
perder a sanidade.
O brasileiro Arthur
Bispo do Rosário (1909
- 1989),
diagnosticado como esquizofrênico, viveu muitos anos num asilo para “loucos de
todo o gênero” (denominação que o Código Civil da época dava aos portadores de
distúrbios mentais). No entanto ele conseguiu de certa forma subverter a
condição de “louco” através da sua produção
artística. Incrivelmente singular e complexa em seu simbolismo e
referências à sua condição humana e ao próprio Brasil.
Não que a arte tenha lhe curado, mas ele encontrou no fazer artístico,
uma forma de se comunicar com o mundo, e assim se “colocar” nele. Permaneceu um
esquizofrênico, já que o transtorno não tem cura. Mas mesmo com tal, pode falar
à sociedade o que pensava e transmitir todo seu imaginário aos, digamos assim, “sãos”.
A arte foi uma ponte entre seu mundo quase impenetrável e
indecifrável e a sociedade estabelecida. Hoje Arthur
Bispo do Rosário, que faleceu em 1989, é considerado um dos maiores aristas
nascidos no Brasil. Embora, repito, não tenha deixado de ser um esquizofrênico.
Como se do ver, tais condições – a de artista e a de doente mental – não excluem
uma à outra.
É curioso notar como nos dois casos – Picasso e Bispo
do Rosário – a arte agiu de forma diferente, mas convergindo para um mesmo
ponto. De um lado ela é neurotizante, e como uma droga tira o sujeito da condição
comum da realidade e o leva a criar um mundo singular e imaginário, um “mundo
novo”, quase metafísico. Senão veja a obra de Picasso
e o mundo “todo seu” (e também nosso, através do acesso à sua obra) que ele
criou, em especial desde sua Fase Azul até chegar
à desconstrução da figura no Cubismo
Pelo outro lado o universo aparentemente incoerente de um
doente mental se materializa em obras de arte que passam a comunicar ao mundo
seu imaginário, sua condição como pessoa, suas opiniões, desejos, interesses. E
assim os dois universos podem interagir e criar cultura.
É como se o fato de produzir arte conduzisse a um meio
termo. Nem o concreto, prático e pseudo-real, nem a total alienação de um mundo
particular e solitário. A arte nos faz convergir para o equilíbrio entre o
metafísico e o real. Entre o corpo (matéria) e a mente. Entre o espírito e
carne.
Por isso considera-se a Arte como característica
identificadora e fundamental da condição humana. Ela significa a ligação – aqui
não é uma mera referência à religião, uma das fontes fundadoras e profícuas da
arte – entre o material e o não-material.
Produzir arte é lidar constantemente com essa dualidade. E
conseguir equilibrar essas duas faces da nossa existência é a própria dialética
que nos identifica como humanos e nos diferencia dos animais. A arte é a
expressão máxima da Cultura.
Em Fortaleza quem quiser conferir o trabalho de alguns
pacientes com transtornos mentais e conhecer “outros
mundos” de belezas próprias, tem uma excelente chance até o dia 15 de fevereiro
na sede da ONG
Enxame, no Mucuripe, através da exposição “Ateliê
do Desapego”.
Os trabalhos foram produzidos por pacientes-artistas do CAPS
– Centro de Atenção Psicossocial Geral da Secretaria
Executiva Regional II (SER II) da Prefeitura
de Fotaleza. É uma excelente
oportunidade para ampliar nossos olhares e nossa visão de mundo e podermos
interagir com pessoas singulares e de experiências de vida interessantíssimas.
Pode-se falar em terapia, mas um olhar mais cuidadoso
enxergará muito mais do que um tratamento para melhorar condições de vida. Verá
uma ponte que pode ligar os universos particulares de “alienados” ao da nossa
realidade, que de tão prática e urgente, se torna tão alienante quanto.
Serviço:
Até o dia 15
de fevereiro de 2012
Das 08h00 às
12h00 e das 14h00 às 17h00
Entrada franca
85 8795 2751
Enio Castelo
Fortaleza –
CE, janeiro de 2012.
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Obra da Exposição "Ateliê do Desapego" (Divulgação) |
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Rosário, Arthur Bispo do Manto de Apresentação (detalhe) , s.d. tecido, fio e corda 219 x 130 cm Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ) Reprodução Fotográfica Vicente de Mello fonte: http://www.itaucultural.org.br |
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Pablo Picasso (Self-Portrait) 1972 fonte: http://www.arthistoryarchive.com |