quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Estrigas

Alguém postou no Facebook a seguinte frase: “Como se fosse possível Estrigas morrer.”

Acho perfeita. Estrigas (1919-2014) se vai, seu corpo virará cinzas e será espalhado no famoso baobá que fica no seu sítio no Mondubim e não há o que se fazer sobre esse fato.

Mas como ocorre com todo grande artista, a obra de Estrigas fica para sempre. É inestimável seu legado.

Sua obra pictórica é singular. Parte da figuração e caminha numa transição serena para o abstracionismo lírico, sem, contudo, nunca perder totalmente o contato com a figuração.

Ontem parei por alguns momentos no painel em mosaico que fica no Moinho J. Macedo (no caminho da Praia do Futuro). Sempre reparo naquela obra. Foi meu primeiro contato com o trabalho de Estrigas.

É magnífico ver como a imagem vai se transformando sutilmente numa quase abstração. A figura não é mais absoluta, Estrigas não precisa copiar a realidade, ele parte dela para nos fazer sonhar em nuances de cores e linhas.



Se considerarmos apenas a obra pictórica de Estrigas já teríamos muito, mas ele foi além. Tanto com a criação do Museu em seu sítio em parceria com a companheira Nice (também artista singular), com as orientações aos novos artistas que lhe procuravam, com sua atuação fundamental na SCAP e, principalmente, no meu entender, com sua obra escrita sobre arte.

Quem quer conhecer sobre as artes plásticas cearense do século XX até o presente, têm que passar necessariamente pelos registros, estudos e crítica de Estrigas.

Acredito que até o próprio Estrigas não tinha a dimensão da importância desse trabalho.

Registrar a história e analisar criticamente a arte é um trabalho difícil e quase não reconhecido no Ceará. Estrigas fazia isso sistematicamente e com obstinação.

Nada melhor que alguém que vivia concretamente a arte do Ceará e foi próximo a artistas fundamentais no Brasil como Antônio Bandeira (1922-1967) e Aldemir Martins (1922-2006) – apenas citando alguns – para dar seu testemunho.

Um testemunho que não tem preço e que servirá de fonte inesgotável de arte e cultura para as próximas gerações.

O futuro da cultura, em especial das artes plásticas cearense, deve muito à Estrigas. Embora tristes diante de sua perda, a poucos dias, sejamos gratos e contentes pelo legado inestimável que deixa de herança à Arte Cearense.

Obrigado Estrigas.
Fortaleza/CE
Outubro de 2014.

Enio Castelo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ateliê do Desapego – Entre Picasso e Bispo do Rosário

Picasso (1881 - 1973) dizia que: “A Obra escraviza o artista”. Queria o gênio dizer que para um artista a sua arte é a coisa mais importante que há. Realizar sua obra é tão importante e necessário que vira um vício, uma mania que foge ao seu controle.

Por isso muitas pessoas não entendem o sacrifício e a conduta de alguém que está impregnado em fazer arte. Identificando-os, às vezes, como loucos. Na verdade, nestes casos, está se fazendo arte para não perder a sanidade.

O brasileiro Arthur Bispo do Rosário (1909 - 1989), diagnosticado como esquizofrênico, viveu muitos anos num asilo para “loucos de todo o gênero” (denominação que o Código Civil da época dava aos portadores de distúrbios mentais). No entanto ele conseguiu de certa forma subverter a condição de “louco” através da sua produção artística. Incrivelmente singular e complexa em seu simbolismo e referências à sua condição humana e ao próprio Brasil.

Não que a arte tenha lhe curado, mas ele encontrou no fazer artístico, uma forma de se comunicar com o mundo, e assim se “colocar” nele. Permaneceu um esquizofrênico, já que o transtorno não tem cura. Mas mesmo com tal, pode falar à sociedade o que pensava e transmitir todo seu imaginário aos, digamos assim, “sãos”.

A arte foi uma ponte entre seu mundo quase impenetrável e indecifrável e a sociedade estabelecida. Hoje Arthur Bispo do Rosário, que faleceu em 1989, é considerado um dos maiores aristas nascidos no Brasil. Embora, repito, não tenha deixado de ser um esquizofrênico. Como se do ver, tais condições – a de artista e a de doente mental – não excluem uma à outra.

É curioso notar como nos dois casos – Picasso e Bispo do Rosário – a arte agiu de forma diferente, mas convergindo para um mesmo ponto. De um lado ela é neurotizante, e como uma droga tira o sujeito da condição comum da realidade e o leva a criar um mundo singular e imaginário, um “mundo novo”, quase metafísico. Senão veja a obra de Picasso e o mundo “todo seu” (e também nosso, através do acesso à sua obra) que ele criou, em especial desde sua Fase Azul até chegar à desconstrução da figura no Cubismo

Pelo outro lado o universo aparentemente incoerente de um doente mental se materializa em obras de arte que passam a comunicar ao mundo seu imaginário, sua condição como pessoa, suas opiniões, desejos, interesses. E assim os dois universos podem interagir e criar cultura.

É como se o fato de produzir arte conduzisse a um meio termo. Nem o concreto, prático e pseudo-real, nem a total alienação de um mundo particular e solitário. A arte nos faz convergir para o equilíbrio entre o metafísico e o real. Entre o corpo (matéria) e a mente. Entre o espírito e carne.

Por isso considera-se a Arte como característica identificadora e fundamental da condição humana. Ela significa a ligação – aqui não é uma mera referência à religião, uma das fontes fundadoras e profícuas da arte – entre o material e o não-material.

Produzir arte é lidar constantemente com essa dualidade. E conseguir equilibrar essas duas faces da nossa existência é a própria dialética que nos identifica como humanos e nos diferencia dos animais. A arte é a expressão máxima da Cultura.

Em Fortaleza quem quiser conferir o trabalho de alguns pacientes com transtornos mentais e conhecer “outros mundos” de belezas próprias, tem uma excelente chance até o dia 15 de fevereiro na sede da ONG Enxame, no Mucuripe, através da exposição “Ateliê do Desapego”.

Os trabalhos foram produzidos por pacientes-artistas do CAPS – Centro de Atenção Psicossocial Geral da Secretaria Executiva Regional II (SER II) da Prefeitura de Fotaleza.  É uma excelente oportunidade para ampliar nossos olhares e nossa visão de mundo e podermos interagir com pessoas singulares e de experiências de vida interessantíssimas.

Pode-se falar em terapia, mas um olhar mais cuidadoso enxergará muito mais do que um tratamento para melhorar condições de vida. Verá uma ponte que pode ligar os universos particulares de “alienados” ao da nossa realidade, que de tão prática e urgente, se torna tão alienante quanto.



Serviço:
Até o dia 15 de fevereiro de 2012
Das 08h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00
Entrada franca
85 8795 2751

Enio Castelo

Fortaleza – CE, janeiro de 2012.

Obra da Exposição "Ateliê do Desapego" (Divulgação)


Rosário, Arthur Bispo do 
Manto de Apresentação (detalhe) , s.d. 
tecido, fio e corda 
219 x 130 cm 
Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ) 
Reprodução Fotográfica Vicente de Mello
fonte: 
http://www.itaucultural.org.br



Pablo Picasso (Self-Portrait) 1972
fonte: http://www.arthistoryarchive.com


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Dezembro Digital de Wilson Neto


 “ ...a gente se preocupa mais com a motocicleta do que com a viagem.” Marcelo Tas

Estou sempre escrevendo sobre a questão do suporte, que, na verdade, trata-se de uma não-questão. Mas como escrevo sempre pensando no contexto do Ceará e neste sentido encontro aqui certa antipatia em aceitar como arte o que não é exclusivamente pintura e escultura, volto a abordar esse tema. Também porque o nome (“Dezembro Digital”), da exposição que me faz escrever agora, cita explicitamente o suporte. Assim, assumo o risco de me repetir.

Todos nós sabemos que Duchamp (1887-1968) rompeu com a ditadura do suporte a partir dos seus “ready mades”. O urinol é uma ironia mordaz contra os que acreditavam (alguns acreditam ainda) que a arte só pode se materializar com tinta sobre tela ou a partir de um bloco de mármore.

A infinidade de maneiras com quê a arte contemporânea se coloca nos faz acreditar que “tudo é possível” e o que impera é, finalmente, a criatividade e o conceito. A idéia, e eu, diria também, a comunicação (uma idéia a ser desenvolvida em outro texto), intrínsecas à obra, a partir da concepção de um artista ou de vários artistas (os coletivos), é o que torna a obra relevante.

Lógico que em se tratando de mercado (quanto mais o de arte – o gosto é um fator decisivo) sempre haverá preferências. E a pintura acadêmica, por exemplo, terá seu público cativo independente da tendência do mercado. Até mesmo se pensarmos na tela sob o aspecto de objeto, e objeto histórico (além do artístico, é claro).

Na exposição “Dezembro Digital”, Wilson Neto com muita inteligência escolheu navegar entre duas margens: nem a liberdade total de suporte da arte contemporânea, nem o dogmatismo da pintura em tela. Suas obras são concebidas no computador, mas materializadas em tela (geralmente de grandes proporções). O computador é seu instrumento tal qual o pincel para o pintor ou uma câmera para o fotógrafo. Através do processamento de informações digitais, um nome complicado para computador, cria sua linguagem singular.

O que talvez pareça uma opção fácil para um artista, é na verdade: coragem e visão de futuro. Vislumbra-se uma inteligente noção sobre o mercado de arte, sobretudo o local (Ceará). Aqui, parênteses para a marchand Mariana Furlani (Mariana Furlani Arte Contemporânea), que aposta comercialmente com uma individual bem estruturada e importante, com uma proposta nova e de um artista também relativamente novo.

O argumento de que a arte digital seria uma forma fácil de produzir arte, além de conceitualmente não ter importância – quem disse que dificuldade técnica é um pré-requisito para boa arte? – e preconceituoso, sequer se aplicaria no caso de Wilson Neto. O artista em outras oportunidades mostrou trabalhos de um requinte artesanal e dificuldade de produção que remetem aos bordados do Ceará e ao estilista Lino Villaventura e à técnica do pontilhismo de Seurat (1859 – 1891).

É óbvio que, para ele, a técnica não é um problema a ser vencido. Nem tão pouco produzir arte através de uma plataforma eletrônica não requeira a sua própria técnica. Uso esse argumento, mas o fato é que para os grandes artistas, mais importante do que conhecer e praticar uma técnica, é, a partir dela ou não, criar a sua própria. Daí nascerá uma linguagem pessoal que caracterizará o artista (não mais o técnico que sabe fazer “arte”).

Digo coragem e visão porque o mercado cearense ainda é um pouco ortodoxo e mesmo algumas pinturas mais conceituais não são, muitas vezes, aceitas ou são recebidas com uma resistência que não existe em outros lugares. A exceção que confirma a regra é a maravilhosa obra de Antonio Bandeira (1922 - 1967) que teve seu trabalho reconhecido ainda em vida, mas não sem o apoio do, àquela época, recém inaugurado MAUC - Museu de Arte da UFC, através do seu reitor Antônio Martins Filho, nome importante e de respaldo na sociedade cearense.

 “Dezembro Digital” aposta num suporte que significa quase uma transição entre a consagrada pintura e a liberdade total na arte contemporânea. O que, além dos aspectos mercadológicos, tem seu significado como ponte entre o que era e o que virá.

Wilson sabe que o que importa é a consistência de sua obra como estética. Mas não nega o valor que é materializar seu conceito em um suporte que atenda a colecionadores e galerias. Neste aspecto, o fato de sua arte digital se apresentar em tela, ser tangível (um objeto, portanto), denota que ele quer administrar muito bem a tensão entre, a “Arte” e o “Mercado de Arte”.

Ao mesmo tempo em que ele concebe objetos (telas), não abre mão das infinitas possibilidades de criar que o computado oferece. O que o liga à liberdade e autonomia que arte contemporânea, de certa forma, defende.

Uma opção inteligente para um artista criativo e ousado, já seguro da qualidade e consistência de sua obra e afinado com o tão necessário “Mercado De Arte”.

Serviço:
“Dezembro Digital”
A partir de 07de dezembro de 2011
+ 55 85 3242 2024



Fortaleza – CE, dezembro de 2011.


Obra de Wilson Neto
fonte: http://diariodonordeste.globo.com/

Convite para exposição Dezembro Digital de Wilson Neto



segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Exposição de Tomie Ohtake em Fortaleza

Tomie Ohtake (1913) é lirismo puro, é sentimento. Não há nela a preocupação exagerada com a razão, os números ou a teoria das cores, embora não os negue.

Ela intui, melhor ainda, simplesmente sabe. Suas telas são gestos poéticos. É o lirismo feito matéria. É sentimento que se pode ver.

Tela de Tomie Ohtake
fonte: http://www.opovo.com.br

Imperdível, portanto, a exposição individual da artista promovida pela Galeria Multiarte em Fortaleza. Não por ser necessário ver os trabalhos, mas pelo privilégio que nos é oportunizado.


Serviço:
17/nov/2011 a 17/dez/2011
Seg a Sex das 10h00 às 18h00, Sab das 14h00 às 20h00
+ 85 3261 7724

Enio Castelo



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Registros preciosos

Costumo me aborrecer quando vejo algumas pessoas darem maior valor (às vezes todo o valor) à arte como decoração. O que é um preconceito meu em relação ao chamado “design de interiores”. Mas sinto que conteúdos mais relevantes contidos na arte são invariavelmente desprezados e esquecidos.

Talvez seja uma bobagem minha, já que o caráter decorativo tem seu valor dentro da arte. Inclusive na história da arte como nas tribos primitivas onde a pintura do corpo era crucial na formação da identidade de alguns povos. E se observarmos a obra de Matisse, o genial artista francês, há uma preocupação indiscutível com a decoração. Sem falarmos no Barroco Mineiro e suas igrejas “enfeitadas” como um símbolo da riqueza e do poder de Deus (ou de Portugal) e ainda em movimentos como a Art Nouveau.

Entretanto foi este meu confesso preconceito à exagerada ênfase da decoração na arte, apesar das inúmeras feiras e mostras de arquitetura reinantes (sempre muito bem organizada, planejadas e apoiando inúmeros artistas locais), que me levou a reparar numa exposição que parece abdicar do caráter decorativo.

Diálogos” de Fernando França, em cartaz no Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura – CCDMAC, em Fortaleza, traz um conteúdo forte, sob o ponto de vista da história e do registro do contemporâneo. Um papel que talvez hoje coubesse mais à fotografia (um projeto semelhante feito por um fotógrafo cairia muito bem). E em que é usada a metalinguagem como instrumento basilar. Algo que é muito caro aos artistas e difícil de ser utilizada com propriedade.

São pinturas em grandes dimensões retratando alguns dos mais importantes artistas plásticos cearenses vivos (quase todos), nas quais os próprios artistas interferem nas obras com uma referência a seus trabalhos. São, portanto, obras em co-autoria em que figuram o retrato pintado (por França) do respectivo artista escolhido e um exemplo dos trabalhos dos artistas produzidos por eles mesmos e inseridos nas telas. Uma idéia interessante que parecia não ser muito viável, mas que deu certo.

As telas são testemunhos e documentos e fazem um recorte da pintura cearense na atualidade. Neste sentido aproximado da fotografia documental no momento em que ela é, na arte contemporânea, desvalorizada frente a uma abordagem mais conceitual da imagem. As obras também existem como documentos históricos e pedagógicos da arte, registrando, documentando e informando sobre o tempo contemporâneo da arte cearense e a alguns de seus principais expoentes.

Certamente as telas não se adequarão a combinar com sofás e cadeiras das salas dos lounges modernos. Mas possuem uma importância singular para arte quando se propõe a registrar quem são e o que produzem os artistas do Ceará e fazendo isso por meio da própria pintura.

Uma das telas mais importantes da humanidade foi feita por Diego Velàzquez (1599 -1657), As meninas ou A família de Filipe IV, 1656, atualmente no Museu do Prado em Madri. Nela o pintor espanhol brinca com o jogo de espelhos, tela e olhares, nos colocando ora como espectadores, ora como pintores, ora como reflexo, ora como obra. Trata-se de uma das peças mais discutidas no mundo por apresentar múltiplas interpretações e por falar de pintura e de imagem através da própria pintura e da própria imagem. Talvez seja o exemplo mais importante da arte falando dela mesma.

França em seu trabalho também nos propõe conversarmos e aprendermos arte através dela mesma. Entre os artistas retratados estão Ascal, Zé Tarcísio, Descartes Gadelha, entre outros. Mesmo se existissem muitos críticos de arte no, e do, Ceará e muitos historiadores da arte cearense como, por exemplo, o mestre Estrigas (Dodora Guimarães e Roberto Galvão também são exemplos de intelectuais que desempenha brilhantemente esse papel). Mesmo que eles fossem todos excelentes, isentos e dispostos a dar uma interpretação profunda sobre as artes plásticas no Ceará, ainda assim não seria melhor do que o registro de um artista falando dos seus pares por meio da própria arte que fazem.

Quem está ligado às artes plásticas cearense de alguma forma ou quem está em formação e quer conhecer um extrato significativo do que de melhor se produz, e quem produz essa arte, tem uma oportunidade impar em “Diálogos” por Fernando França, no CCDMAC, até 06 de novembro de 2011. Mas não esperem decoração para por na sala, pois o que terão é um testemunho da arte que se faz hoje no Ceará, e é de valia inestimável.



Outubro de 2011.

Imagens:


Estrigas retratado por Fernando França na Exposição Diálogos
fonte: http://dialogosfernandofranca.blogspot.com/


Hélio Rola retratado por Fernando França
fonte:http://dialogosfernandofranca.blogspot.com/
"As Meninas" ou "A Familia de Filipe IV" (1656), Diego Velázquez (1599 -1657), Museu do Prado, Madri




Serviço:
24 de Agosto a 6 de novembro de 2011
Terças a quintas 9h às 19h – Sextas a Domingos 14h às 21h
Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar
Gratis
+ 85 3488 8600

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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Paisagens de Maíra Ortins

Saint-Exupéry (1900-1944) nos fala em dado momento de sua obra que um homem certa vez inventou uma pílula mágica que nos faria não precisarmos mais tomar água. Assim o amigo do inventor não teria mais a necessidade de caminhar meia hora para ir à fonte mais próxima buscar água. O amigo do inventor depois de alguns dias tomando a pílula percebeu que não ganhara 30 minutos em sua rotina diária, mas perdera a caminhada que fazia todo dia na qual contemplava o bosque, os animais, o céu, as estrelas...

É mais ou menos na condição do amigo do inventor que vivemos hoje em dia. Não ganhamos mais tempo com nossos carros possantes nem com a comunicação instantânea da internet e do celular.

Numa cidade frenética como Fortaleza, andar e observar a arquitetura e a arte pública é quase o pecado da ociosidade. Temos que estar 24 horas focados e produzindo. E nesse frenesi perdemos a cidade que por sua vez se transforma em igual rapidez, perdendo sua identidade e onde a arte pública definha sem os cuidados necessários e, conseqüentemente, nossa história se esvai.

Nesse sentido Maíra Ortins propôs uma experiência localizada. Como num microcosmos da cidade e da vida contemporânea a Livraria Cultura de Fortaleza foi palco da exposição “Paisagem suspensa: um ensaio sobre a solidão”. A artista é também a curadora e distribuiu pelo local stickers com desenhos seus. Muitos oriundos do livro “Tessituras em contos, crônicas, poesias e imagens” que publicou em conjunto com as escritoras Ana Valeska Maia e Márcia Sucupira

Ela divulgou a exposição e passou a observar os freqüentadores. O que aconteceu segundo os funcionários da Cultura é que as pessoas perguntam onde está a exposição. Exatamente como estava previsto pela artista e comprovava sua tese os frequentadores passavam pelo local sem perceber nos desenhos-adesivos como no comportamento normal das pessoas nas grandes metrópoles contemporâneas. Não paramos para olhar. Não queremos perder tempo, não queremos refletir, contemplar, nem pensar o espaço. A vida contemporânea é tão emergencial que não há lugar para caminharmos até a fonte e contemplarmos a paisagem e estamos sós na nossa busca em atender nossos compromissos e desejos.

Maíra também questiona dois aspectos importantes do mundo das artes. O local da exposição, nos fazendo ver que a arte não está apenas em museus e galerias ela pode estar numa livraria, num bar, no salão de beleza... Na própria cidade. É só pararmos para olhar. Com a vantagem de ser de graça.

O outro aspecto é a formatação normal das exposições. As pessoas atraídas pela divulgação esperavam quadros emoldurados com luz especial. Mas as obras de Maíra se mesclam ao ambiente compondo a paisagem e intervindo a partir do repertório lúdico da artista, nas colunas, bancos, escadas (para mim a melhor intervenção da exposição)...

Esperamos ver a arte sacralizada, imponente e importante. Mas ela está no prosaico da vida também, bem aos nossos olhos e não unicamente na nossa idéia preconcebida do que seja uma obra de arte. Como disse certa vez Mondrian (1872-1944), “Um dia tudo será arte, e todos seremos artistas.” Estamos esperando esse dia chegar, mas Maíra Ortins já nos mostra um dos caminhos.


Agosto de 2011. 
Imagens relacionadas:

Capa do Livro O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupery

Foto divulgação da exposição "Paisagem suspena: um ensaio sobre a solidão"

Foto divulgação da exposição "Paisagem suspena: um ensaio sobre a solidão"

Obra de Piet Mondrian  a partir do blog Gis Creatio
http://giscreatio.blogspot.com

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Pintura, um impasse

Se conhecêssemos toda a história da arte e compreendêssemos tudo até Picasso, e de repente nos deparamos com uma tela cubista do artista, em pânico enxergaríamos o ponto final da pintura. “O homem” chegou ao máximo do que a pintura podia dar até então, subvertendo a profundidade de campo (para usar um termo da fotografia) sem fazer uma pintura chapada. Em Picasso temos vários ângulos em um ângulo só.

Gris, Juan
Portrait of Picasso
1912
Oil on canvas
93.4 x 74.3 cm. (36 3/4 x 29 1/4 in.)
The Art Institute of Chicago
(DC 13)
fonte: 
http://www.artchive.com

Pollock, como sem ter para onde seguir, deve ter se desesperado, assim como todos os pintores que viram o gênio de Picasso (e Braque também, vamos dar os créditos devidos) chegar ao ponto extremo, final.

Mas de súbito, em inspiração transcendente, Pollock concebe sua série de telas, nas quais pintava no chão, através do aperfeiçoamento da técnica das “drip paintings”. É o último suspiro da pintura. Jackson Pollock acrescenta um ponto final a mais, logo depois do espanhol. Ele conseguiu esticar o fim que se pensava ser primazia de Picasso.

A pintura é no seu ocaso, sinestésica e “não tem começo nem fim”, para citar uma crítica pejorativa sobre as telas de Pollock que acabou sendo um elogio e fundamental para conceituar essa nova espacialide e estética proposta pelo norteamericano.

Pollock, Jackson
Number 1, 1949
1949
Enamel and aluminum paint on canvas
63 in x 8 ft 6 in (160 x 259 cm)
The Museum of Contemporary Art, Los Angeles
fonte: http://www.artchive.com



Não conseguimos desde o expressionismo abstrato peculiar de Pollock ultrapassar essa barreira. Não sabemos ainda se os pontos finais de Pablo Picasso e Jackson Pollock são dois pontos: e temos o fim da pintura. Ou acrescentar-se-á um terceiro ponto. O Ponto de reticências. Simplesmente não sabemos, não temos respostas.

Esse impasse da pintura é uma das questões fundamentais porque ainda não conseguimos definir com precisão onde termina a arte moderna e começa a contemporânea.

Duchamp, Marcel
Fountain
1917 (original lost)
Readymade: porcelain urinal
Height 60 cm
Philadelphia Museum of Art

fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f6/Duchamp_Fountaine.jpg/437px-Duchamp_Fountaine.jpg


Duchamp e Man Ray de há muito, antes mesmo de Pollock, chutaram o “pau da barraca” e abdicaram da pintura para fazer arte. Eles tomaram partido pelos dois pontos: o fim da pintura. E ao mesmo tempo colocaram o terceiro ponto (reticências), para termos...Arte, arte contemporânea, arte pós-moderna.

Fortaleza,Ce, julho de 2011


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