Talvez seja uma bobagem minha, já que o caráter decorativo tem seu valor dentro da arte. Inclusive na história da arte como nas tribos primitivas onde a pintura do corpo era crucial na formação da identidade de alguns povos. E se observarmos a obra de Matisse, o genial artista francês, há uma preocupação indiscutível com a decoração. Sem falarmos no Barroco Mineiro e suas igrejas “enfeitadas” como um símbolo da riqueza e do poder de Deus (ou de Portugal) e ainda em movimentos como a Art Nouveau.
Entretanto foi este meu confesso preconceito à exagerada ênfase da decoração na arte, apesar das inúmeras feiras e mostras de arquitetura reinantes (sempre muito bem organizada, planejadas e apoiando inúmeros artistas locais), que me levou a reparar numa exposição que parece abdicar do caráter decorativo.
“Diálogos” de Fernando França, em cartaz no Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura – CCDMAC, em Fortaleza, traz um conteúdo forte, sob o ponto de vista da história e do registro do contemporâneo. Um papel que talvez hoje coubesse mais à fotografia (um projeto semelhante feito por um fotógrafo cairia muito bem). E em que é usada a metalinguagem como instrumento basilar. Algo que é muito caro aos artistas e difícil de ser utilizada com propriedade.
São pinturas em grandes dimensões retratando alguns dos mais importantes artistas plásticos cearenses vivos (quase todos), nas quais os próprios artistas interferem nas obras com uma referência a seus trabalhos. São, portanto, obras em co-autoria em que figuram o retrato pintado (por França) do respectivo artista escolhido e um exemplo dos trabalhos dos artistas produzidos por eles mesmos e inseridos nas telas. Uma idéia interessante que parecia não ser muito viável, mas que deu certo.
As telas são testemunhos e documentos e fazem um recorte da pintura cearense na atualidade. Neste sentido aproximado da fotografia documental no momento em que ela é, na arte contemporânea, desvalorizada frente a uma abordagem mais conceitual da imagem. As obras também existem como documentos históricos e pedagógicos da arte, registrando, documentando e informando sobre o tempo contemporâneo da arte cearense e a alguns de seus principais expoentes.
Certamente as telas não se adequarão a combinar com sofás e cadeiras das salas dos lounges modernos. Mas possuem uma importância singular para arte quando se propõe a registrar quem são e o que produzem os artistas do Ceará e fazendo isso por meio da própria pintura.
Uma das telas mais importantes da humanidade foi feita por Diego Velàzquez (1599 -1657), As meninas ou A família de Filipe IV, 1656, atualmente no Museu do Prado em Madri. Nela o pintor espanhol brinca com o jogo de espelhos, tela e olhares, nos colocando ora como espectadores, ora como pintores, ora como reflexo, ora como obra. Trata-se de uma das peças mais discutidas no mundo por apresentar múltiplas interpretações e por falar de pintura e de imagem através da própria pintura e da própria imagem. Talvez seja o exemplo mais importante da arte falando dela mesma.
França em seu trabalho também nos propõe conversarmos e aprendermos arte através dela mesma. Entre os artistas retratados estão Ascal, Zé Tarcísio, Descartes Gadelha, entre outros. Mesmo se existissem muitos críticos de arte no, e do, Ceará e muitos historiadores da arte cearense como, por exemplo, o mestre Estrigas (Dodora Guimarães e Roberto Galvão também são exemplos de intelectuais que desempenha brilhantemente esse papel). Mesmo que eles fossem todos excelentes, isentos e dispostos a dar uma interpretação profunda sobre as artes plásticas no Ceará, ainda assim não seria melhor do que o registro de um artista falando dos seus pares por meio da própria arte que fazem.
Quem está ligado às artes plásticas cearense de alguma forma ou quem está em formação e quer conhecer um extrato significativo do que de melhor se produz, e quem produz essa arte, tem uma oportunidade impar em “Diálogos” por Fernando França, no CCDMAC, até 06 de novembro de 2011. Mas não esperem decoração para por na sala, pois o que terão é um testemunho da arte que se faz hoje no Ceará, e é de valia inestimável.
Outubro
de 2011.
Imagens:
Estrigas retratado por Fernando França na Exposição Diálogos fonte: http://dialogosfernandofranca.blogspot.com/ |
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Hélio Rola retratado por Fernando França fonte:http://dialogosfernandofranca.blogspot.com/ |
"As Meninas" ou "A Familia de Filipe IV" (1656), Diego Velázquez (1599 -1657), Museu do Prado, Madri
Serviço:
24 de Agosto a 6 de novembro de 2011
Terças a quintas 9h às 19h – Sextas a Domingos 14h
às 21h
Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar
Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar
Gratis
+ 85 3488 8600
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